Um Autor e seu Auditório.

Este livro apresenta, ao que nos parece, um primeiro trabalho de análise retórica de uma obra de Filosofia da Educação em nosso País. Inscreve-se em um programa mais amplo de análise das Filosofias da Educação, na esteira da proposta de Perelman de releitura das Filosofias a partir da retórica, tanto por meio da análise retórica das obras quanto do lugar da retórica nas diversas filosofias.

Ao tomarmos a obra de Saviani por objeto de análise fazemos uma homenagem a um autor conhecido e reconhecido, mas não algum "ajuste de contas", nenhum de nós tem contas a ajustar com ele.

Nosso interesse é, fundamentalmente, o de analisar uma obra considerada referência para a Filosofia da Educação no Brasil. Além disso, há outra razão para tomarmos aquela obra por objeto de análise, ela é muito popular, o que pode ser verificado pela recepção de seus livros. Há, por certo, um auditório atento ao que o autor produz e que recomenda suas obras aos alunos, bem como as utiliza na elaboração de provas de concursos públicos e exames diversos. Parece-nos, então, pertinente considerar Saviani um reconhecido Filósofo da Educação em nosso País, pois o é para o auditório especializado da área Educação. Assim considerando, a análise retórica da obra de Saviani expõe tanto as suas opções filosóficas quanto as de seu auditório, uma vez que este sustenta e é solidário com aquelas. Daí o título deste livro "Um autor e seu auditório. Análise retórica da Filosofia da Educação Brasileira de Saviani". "Filosofia da Educação Brasileira" porque Saviani se pôs a tarefa de constituir tal concepção, como veremos ao longo deste livro.

A análise retórica não é apenas a da autoria, como se faz em uma análise puramente estrutural, uma vez que procura mostrar como o autor/orador persuade seu auditório. Por certo, a persuasão é legítima, uma vez que todo orador (autor) em qualquer campo pretende realizá-la. Não fazemos julgamento moral da persuasão, apenas consideramos a propriedade e pertinência dos instrumentos lógicos e argumentativos utilizados pelo autor. Uma vez que Saviani teve e tem grande influência no ensino da Filosofia da Educação no Brasil, então é preciso expor seus argumentos com vistas a verificar sua pertinência e adequação.

Antes, porém, é preciso reafirmar uma tomada de posição ética, a qual independe do tipo de análise que fazemos. Trata-se do cuidado permanente de não cometer a falácia ad personam, a que ataca a pessoa e não se preocupa com a reflexão e o questionamento de seus argumentos. Esta nomenclatura —ad personam— pode parecer estranha, pois usualmente se diz que o argumento contra a pessoa é o ad hominem. Assim tem sido entendido, mas, como advertem Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), toda argumentação é ad hominem, pois sempre se apoia ou contradiz argumentos de alguém. Mas, apenas a ad personam é falaciosa, uma vez que deixa de lado os argumentos para atacar aspectos do caráter do opositor. Esperamos ter tido êxito.

Na análise retórica utilizamos os recursos usuais da análise do discurso e acrescentamos alguns outros. Entre estes, a consideração do lugar do discurso, quando foi produzido, com quais intenções explícitas e como o auditório o recebeu. Busca-se encontrar as razões pelas quais um discurso é persuasivo, caso tenha sido, tendo por base um corpus discursivo. No caso em pauta, constituímos um corpus de textos relevantes por seu lugar de apresentação, como é o caso de uma tese de doutorado, bem como os que obtiveram grande adesão, como são as obras com múltiplas edições.

A análise aqui apresentada é a expressão de um exercício cujo objetivo não foi contemplar a verdade, mas estabelecer com a clareza possível os meios pelos quais o teórico em questão constrói sua argumentação, expondo seus argumentos e técnicas que a tornam persuasiva ao seu auditório.

Plano da obra

O livro está dividido em seis capítulos. No primeiro, apresentamos os elementos centrais da retórica e da teoria da argumentação discorrendo, abreviadamente, sobre sua relevância para a Filosofia, em particular para o trabalho filosófico em nossos dias, depois de sua recuperação por Perelman, em particular. No segundo, examinamos a Filosofia defendida por Saviani, expomos seus argumentos centrais, contrapondo-os ao conhecimento filosófico admitido pelo auditório dos filósofos. No terceiro e quarto capítulos apresentamos o entendimento de Saviani acerca da dialética. No quinto, apresentamos o que ele entende por Filosofia, expondo, agora, a técnica argumentativa da qual parte. No sexto, apresentamos Saviani se dirigindo a auditórios particulares —orientadores educacionais e administradores escolares— para mostrar os argumentos que permitem a ampla difusão de sua doutrina. Finalmente, na conclusão, retomamos os principais argumentos do filósofo da educação brasileira, os contra-argumentos que apresentamos e consolidamos nossa posição face à sua Filosofia.