O autor desta obra, Dr. Wilson Roberto Gonzaga, transpõe para o seu texto todas as suas convicções espirituais e sua experiência com garotos de rua. Psiquiatra, psicoterapeuta, conferencista, consultor de empresas no campo do desenvolvimento humano e diretor do Instituto Hermes de Transformação Humana, envolveu-se ao longo da vida com educação e saúde, além de se empenhar no resgate da dignidade de moradores de rua e na recuperação de dependentes químicos. Fundador da ABLUSA – Associação Beneficente Luz de Salomão -, com sede em São Paulo, ele elabora projetos educacionais, de saúde, lazer e geração de renda. É importante, antes de se refletir sobre A Senhora e o Menino, compreender melhor quem é o escritor e quais as suas crenças.
Segundo Gonzaga, a ABLUSA nasceu da "crença de que, não obstante as dificuldades, a ação corajosa e inovadora das pessoas do bem pode e deve alterar este quadro (atual) e plantar as sementes de uma nova sociedade". O grupo atua nas regiões de Santa Cecília, Barra Funda, Campos Elíseos, Bom Retiro e nas redondezas destas comunidades. Ele está inserido em um agrupamento maior, os ayahuasqueiros, uma união de associações que acredita na expansão da consciência através da Ayahuasca – um chá de origem inca, preparado a partir da decocção, ou seja, do cozimento de duas plantas da Floresta Amazônica, um cipó conhecido como Banisteriopsis caapi e um arbusto chamado Psychotria viridis.
Este chá, também denominado "Vinho da Alma" ou "Pequena Morte", não é, como alguns podem pensar, um alucinógeno, e sim um instrumento para viabilizar um contato maior com a realidade espiritual, bem como um meio de eliminar toda e qualquer dependência química. Mas o autor deixa claro que só esta bebida – que ele define como uma antidroga - não realiza milagres, é necessário principalmente o empenho do dependente em sua cura e na prática dos ensinamentos adquiridos durante os rituais.
A Senhora e o Menino, através de uma linguagem simples, narra o encontro entre Felício, um garoto de rua, fugitivo da Febem, com Nossa Senhora, em plena cena paulistana. A princípio, o menino imagina ser a imagem fruto de uma alucinação. Aos poucos, porém, ele percebe que ela se torna mais e mais real e esses encontros passam a alimentar sua alma de tal maneira, que sua vida vai assumindo um caráter espiritual crescente, sustentada em todos os aspectos pelos ensinamentos da Mãe.
Este é o contexto de que se vale o autor para transmitir seus valores e tudo em que ele acredita. O leitor não deve esperar encontrar neste livro uma visão tradicional da história de Cristo. Aliás, muitas vezes o escritor, que insere nas falas da Virgem Maria suas próprias crenças, defende pontos de vista nada ortodoxos, que têm muito em comum com algumas correntes apócrifas – divergentes dos Evangelhos Canônicos.
O contato entre Felício e a Mãe vai se estreitando á medida que a narrativa se desenvolve, banhando antigas versões do Evangelho com novas luzes, mas ao mesmo tempo mantendo algumas tradições, embora vistas sob um olhar diferente, como as polêmicas questões da virgindade e da natureza de Jesus. Quem se aventurar nas páginas deste livro deve seguir com a mente aberta, mesmo que não concorde com algumas posições do seu criador, pois há passagens impagáveis, impregnadas de um humor inteligente e de uma singeleza sutil, que em nenhum momento resvala para o piegas. Felício é um personagem marcante, divertido, espontâneo e cativante, que aos poucos vai se autoconhecendo, resgatando sua auto-estima e descobrindo fatos importantes de uma outra vida.
A infância de Felício, apesar das conotações irônicas de seu nome, foi marcada pela violência, pelo abandono, pela vivência nas ruas desde os sete anos, e daí em diante pelas drogas e pelo crime. Uma vida tão comum em nossos dias, com raízes tão similares às de tantas outras, o que revela a experiência cotidiana de Gonzaga nas ruas de São Paulo. O protagonista desta ficção com certeza nasce deste trabalho do escritor no resgate do aspecto humano em cada ser perdido nas margens da sociedade. A leitura desta obra nos permite refletir não só sobre a história de Jesus, ainda hoje tão marginalizado em nossa civilização, mas também sobre a miséria humana, não só dos que vivem excluídos, mas igualmente dos que não conseguem acordar para a realidade à sua volta, mergulhados em suas próprias preocupações, muitas vezes despidas do peso que imaginam ter. É o caso de Zé Luís, outro personagem deste livro, que empreende sua jornada pessoal na direção de sua conscientização, do despertar de sua alma.
É muito interessante também observar a analogia criada pelo autor entre as vidas de Felício e de Judas Iscariotes, das traições que permeiam suas vidas, das culpas, das trajetórias paralelas. Lentamente, tudo à volta de Felício assume novas cores, as drogas não fazem mais sentido, sua auto-imagem vai melhorando cada vez mais, embora ele ainda seja o mesmo menino irreverente e divertido. Por sua vez, a Mãe não é uma personagem conservadora, embora mantenha seu ar virginal, ela apresenta opiniões controvertidas sobre temas como a sexualidade, o uso de drogas – ela defende o consumo da ayahuasca como um meio de se libertar da dependência -, o bem e o mal, a imagem de Deus, a infância de Jesus, entre outros.
Quem preferir, pode igualmente ler esta obra apenas sob o aspecto de um manifesto contra o uso das drogas, até mesmo do ponto de vista pedagógico. Pais e educadores devem valer-se de instrumentos como este para desenvolver um trabalho mais eficiente no combate aos vícios em suas próprias raízes, até mesmo como uma autocrítica, pois o autor deixa claro que a maior parte das dependências químicas começa no próprio lar, com o exemplo da família. A Senhora e o Menino não prima pelas convenções sociais, nem pela hipocrisia, ela trata questões delicadas e sérias com a maturidade e a seriedade necessárias. O leitor não precisa compartilhar com o autor de todas as suas opiniões espirituais, afinal cada um tem a liberdade de acreditar no que quiser, mas estas crenças divergentes não devem representar um obstáculo intransponível para se realizar a leitura e a reflexão desta obra, fundamental para quem deseja realmente mudar a realidade que nos cerca, principiando com o fim da intolerância.
Número de páginas | 312 |
Edición | 1 (2012) |
Formato | A5 (148x210) |
Acabado | Folleto |
Tipo de papel | Offset 80g |
Idioma | Portugués |
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