Baixei para viver mais uma vida no ano de 1973 em São Paulo. O mês foi março, o mesmo de Elis Regina e Billy Corgan. Como Cássia Eller gracejou em uma canção, estou convencido de que ter reencarnado no Brasil foi punição por travessuras de vidas passadas.
Dizer que sou um exemplo acabado do artista sofredor que nunca se sente à vontade na própria pele seria só meio exagero. Na adolescência, parecia-me que todos tinham um manual de instruções, menos eu. Eu o adquiri mais tarde, mas uma parte dele me desagrada e outra não compreendo.
Ainda me lembro de quando meu pai me levou para comprar meu primeiro livro. O volume de poesias para crianças que ele me deu, movido por um equívoco bem intencionado, eu não li, e sim os que ele comprou para si mesmo.
Para mim, nada no mundo natural é mais belo do que a mulher, nada do que o homem criou é mais belo do que a palavra, nada na vida é mais belo do que a busca de um sentido maior.
Sou um sonhador incurável, um inconformado crônico, um irrequieto de plantão. Choro vendo filmes edificantes, sou gentil quase a ponto de parecer um idiota manipulável e ainda acredito que duas criaturas humanas podem se amar loucamente até a morte.
Ao mesmo tempo, sou pragmático ao extremo, já aceitei a perdição do ser humano e contemplo a existência com um certo enfado.
Fiz faculdade tarde e logo percebi que nunca seria um jornalista na acepção mais nobre da palavra. Parafraseando Peter O’Toole, eu não queria dar notícia, eu que-ria ser notícia.
Escrever me dá um prazer acima de todos os outros, um arrebatamento que me tira de mim, do chão, do agora, e me aproxima do mundo mais sublime com que as religiões nos tentam. Todas as outras coisas relacionadas ao ofício são pequenos tormentos, aos quais me submeto com o encarniçamento de quem tem uma ideologia da qual já não consegue se livrar.
Nasci escritor, vivo como escritor e morrerei escritor. É uma benção e um fardo que eu me atrevo a compartilhar com meu semelhante.
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