A pesquisa resultante na presente obra provém e se presta, originariamente, a contribuir, especialmente, à elucidação e consequente melhoria no tratamento do que, de maneira geral, se pode chamar de interpretação. Sabido é que, sobretudo nas sociedades contemporâneas — com especial participação e influência do uso de ferramentas digitais de comunicação, como as redes sociais — o espaço para o debate e entendimento entre os sujeitos tem se visto cada vez mais dificultoso. Tal dificuldade se aprofunda, em meu entender, com maior força, em razão de uma característica específica do panorama atual: a cada vez menor capacidade e interesse dos agentes em verdadeiramente compreender os demais interlocutores, não raro transformando-se, a imensa maioria dos diálogos virtuais, em reles combate e medição de forças ("bélicas", ainda que digitais), com intuito único de extermínio, achincalhamento público do outro e consequente, embora “paradoxal”, obtenção de aprovação social.
Não pretendemos aqui discutir o grau de participação que a própria mecânica algorítmica das redes possui na formação desta espécie de ambiente. É inegável, porém, o fato de que o eventual progresso de nossa espécie, a partir de um efetivo confrontamento dialético de ideias, tem se tornado cada vez mais árduo, senão até que improvável. Basta uma simples e rápida participação em qualquer meio virtual para se verificar a total hostilidade de tais ambientes, onde aquele que hoje efetivamente nutrisse o desejo de contribuir com o avanço de qualquer pauta, ver-se-ia completamente frustrado ao perceber que os indivíduos da contemporaneidade, especialmente em sua faceta virtual/informática, não mais demonstram o mínimo interesse em realmente solucionar questões atinentes a todos, perdendo-se, na imensa maioria das vezes, nas rasas disputas de ego e na colocação do outro enquanto inimigo, a ser, a qualquer preço, não compreendido, mas exterminado.
Nada obstante, é justamente em tal espécie de ambiente onde não raro se postula pelo quase sacro direito (ilimitado) à manifestação da própria opinião. Pois bem... observando o contexto recém-explicitado, busquei, em meus estudos, entender, então, e antes de tudo, de que maneira e até que ponto o sujeito, eventualmente interessado num efetivo debate de ideias, poderia postular pela legitimidade de sua posição — seja no mérito, referente ao conteúdo a ser eventualmente debatido, seja na forma de o abordar, qual seja, a dialética.
Em outras palavras, me interessei, originariamente, por investigar se, e em que medida, um sujeito pode se dizer portador de uma "verdade mais ou tão verdadeira quanto" a dos demais, a ponto de postular por sua legítima participação no tratamento e debate público de determinado assunto, posto suas teses implicarem, ao menos, em algo a mais do que uma reles opinião, como hoje vulgarmente tratada, ou seja: como algo análogo a gosto, enquanto verdade subjetiva íntima e, por estas razões, tão auto evidente quanto individual, no sentido de valer apenas para o sujeito que nela crê. Se me pedissem para traduzir em poucas e simples palavras a inquietação originária e motriz de minhas investigações, diria que se resume à seguinte questão: de que maneira aquilo que digo pode (e deve) ser considerado válido ou verdadeiro, ou, ainda, legítimo, para além dos meus juízos mais íntimos e pessoais, a exemplo de minha reconhecidamente impopular preferência por sorvete de morango aos demais sabores?
Pois nesta senda, percebi, ao longo de meus estudos, que, antes mesmo de saber se meus pensamentos e juízos poderiam, com efeito, serem considerados legítimos — enquanto fidedignos ao que de fato existe — eu deveria, antes, lograr elucidar o que eles estavam, de fato, a dizer. Seguramente, não posso postular em prol de meus posicionamentos se não logro, antes, averiguar no que de fato estou crendo e manifestando. Apercebi-me, entretanto, que, antes mesmo de investigar o real sentido e a fidedignidade de minhas crenças e discursos, deveria, ainda, compreender, devidamente, o que estaria em jogo ao falarmos sobre sentido de enunciados proferidos e/ou mesmo apenas guardados em meu íntimo enquanto crenças ou convicções.
Partindo-se, pois, das reflexões por mim realizadas com o intuito inicial já antes referido, passei então a buscar, inicialmente, por aquilo que poderíamos, por exemplo, considerar como sendo o sentido de nossos enunciados. Nos meandros, então, de tal investigação, adentrei, como se poderá ver, em searas cada vez mais complexas, culminando — não ao fim, mas ao menos como presente instante de minhas investigações — na teoria Hermenêutica, que exploraremos a seguir e de maneira predominante no presente ensaio. Com efeito, como também poderá ser visto no decurso desta obra, a temática por mim então investigada parece naturalmente culminar — não como ponto final, mas ao menos como parada obrigatória — na teoria Hermenêutica, que, em uma acepção popular, pode ser entendida, justamente, como teoria ou estudo da interpretação — ou, ainda, da adequada compreensão.
Neste sentido, uma vez que meus estudos ingressaram no ambiente da discussão Hermenêutica, e tendo eu buscado cada vez mais me aprofundar neste campo teórico, julgo agora ter logrado acumular e incluso produzir considerável material a este respeito. Isso de tal sorte a que, tendo eu estudado durante tanto tempo e com tamanha e imodesta dedicação — e tendo, sobretudo, me enamorado com o que descobri enquanto lia — senti e sinto hoje como necessária a transmissão a terceiros do que estudei. Sem a pretensão de, por ora, inovar com teoria inédita por mim construída. Não se trata disso e desta obra não é o que se deve esperar. O objetivo aqui é mais singelo: fornecer, enquanto manual, de fácil e, portanto, rápido acesso, uma exposição sintética, embora sem sacrifício ao rigor, das teorias pelas quais passei e que certamente modificaram quem fui, quem sou e certamente quem serei, especialmente na compreensão de mim mesmo e dos temas acima ventilados.
Novamente, a pretensão aqui tampouco é descrever, mecanicamente, um rol de verdades absolutas acerca dos temas por mim investigados. Quis eu, apenas, com a presente obra, realizar, antes de tudo, por meio da reunião de minhas produções, um convite, a todos, à reflexão conjunta das questões aqui abordadas, fornecendo, ao leitor, as leituras e/ou compreensões que fiz do que li a este respeito. Espero, assim, que a presente e singela contribuição que aqui entrego possa servir, a quem lê, como impulso inicial à reflexão dos temas aqui propostos e, a partir disso, operar como chave de leitura/primeira compreensão ou aproximação dos mesmos, de sorte a lhe ser possível, sempre que necessário, a sua fácil consulta e revisão, por intermédio de uma análise sintética — e, espera-se, um tanto mais facilitada — dos principais pensamentos já realizados a seu respeito ao longo de nossa história.
Neste ínterim, serão aqui revisitadas as obras de autores cujas produções e investigações compulsei ao longo de minhas buscas por respostas às questões antes mencionadas, sobretudo no que concerne à teoria Hermenêutica, enquanto lócus atual de meus estudos. Forneço, destarte, por aqui, ao leitor, as sínteses por mim elaboradas quanto às teorias de autores que corroboram ao aprimoramento de tal vertente teórica — nomeadamente, e com especial destaque aos pensadores Friedrich Schleiermacher, Wilhelm Dilthey, Franz Brentano, Edmund Husserl, Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer.
Que a presente obra lhe auxilie nesta caminhada e lhe permita, antes que fechar qualquer convicção (definitiva e imutável), uma abertura ao aprimoramento de sua compreensão acerca da teoria Hermenêutica, mas, também, de nossas compreensões em geral, enquanto coletividade, e dos indivíduos, enquanto autocompreensão, com olhos à ascensão de nossas compartilhadas circunstâncias de mútua existência. Assim se efetivando, e ainda que mínima a minha contribuição, dar-me-ei já por inteiramente satisfeito.
ISBN | 978-65-5392-980-7 |
Número de páginas | 100 |
Edición | 1 (2022) |
Idioma | Portugués |
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