Sylvia Plath decide viver & outras histórias

A realidade, a ficção, a imaginação: o leitor, o escritor, os desejos

Perguntas que algum escritor, em surto criativo ou em momentos de divagação, poderia fazer si mesmo:

— Como Machado de Assis se virou para aprender francês e assim ler Victor Hugo no original?

— E se Sylvia Plath, famosa escritora norte-americana, desistisse de se matar e procurasse outra maneira de fugir da depressão?

— E se Jorge Luiz Borges não tivesse produzido uma linha sequer, mas, valendo-se de seu ofício como bibliotecário, se apropriasse, com métodos pouco ortodoxos, de obras já publicadas?

— E se Kafka não se sentisse desconfortável com a condição de barata em que se encontrou certa manhã e tomasse uma decisão inusitada para seu miserável destino?

— E se Hemingway gostasse de caçar não para comer, mas somente para manter sua imagem masculina e abrutalhada?

— E se José Saramago, justo na noite anterior ao recebimento do Prêmio Nobel, tivesse amanhecido cego?

— E se Clarice Lispector não fosse uma escritora preocupada com a alma e suas angústias, mas apenas a esposa de um homem rico, poderoso e indiferente?

Ao imaginar as respostas para essas e outras perguntas, e criar a verossimilhança necessária para contar uma boa história, Luciano Lanzillotti marca sua estreia na prosa com este livro de contos. Sylvia Plath decide viver & outras histórias, mais do que uma coletânea de 16 contos, configura-se como um exercício de escritor-leitor que desejaria, caso pudesse, traçar outro rumo para os livros-autores que admira. Uma homenagem. Em outras palavras: modificar o destino, apontar outra direção, sugerir novos caminhos, promover desenlaces distintos — tarefa que exige, mais do que admiração, um tanto de poesia e intimidade com ela mesma, a poesia. Lanzillotti demonstra aqui que executou a tarefa com êxito. Não lhe faltou poesia.

Geometria do acaso (2021), sua primeira obra publicada, foi justamente uma coletânea de poemas. Lanzillotti deixou claro, já nesse início, que conhecia e entendia a palavra, seu significado e sua inserção precisa na frase-verso, o resultado que almejava alcançar e que sem dúvida alcançou. Provou que tinha poesia na ponta dos dedos. Aqui, em Sylvia Plath decide viver & outras histórias, evidenciou a maturidade de sua escrita também na prosa. E garantiu que também sabe contar histórias.

São muitos e variados os artistas homenageados nesta coletânea, entre os quais menciono Franz Kafka, Machado de Assis, Ernest Hemingway, Hilda Hilst, Rubem Fonseca, Fernando Pessoa, Sylvia Plath, Clarice Lispector, Jorge Luis Borges, Virginia Woolf, Yukio Mishima e muitos outros mais. Com a dose certa de humor e ironia, as narrativas aguçam a imaginação do leitor, que se pergunta ao final de cada conto: E se tivesse sido assim mesmo?

(2 spoilers)

Merece destaque o cuidado e a habilidade de Lanzillotti para reproduzir, em suas narrativas, o estilo de escrita do escritor/a enfocado/a. Assim, em Hilda Hilst e o último desejo (em que a escritora pensa no que fazer para ser publicada pela maior editora do país, mesmo sendo ignorada sistematicamente por ela), lê-se: “Certa noite, sentei-me à janela, acendi dois cigarros e pensei: jamais irão me editar, não adianta: FODAM-SE.” Mais Hilda, impossível!

Em Clarice Lispector dona de casa (a esposa entediada de um homem em constantes viagens por deveres profissionais resolve se consultar com terapeutas ao redor do mundo), o leitor pode se deliciar com esse final: “Tão logo meu marido trouxera a notícia da próxima transferência, o que ocorreria em alguns dias, avisei que o estava deixando. Aliás, já o havia deixado desde o primeiro país pelo qual iniciamos nossa jornada, só agora o corpo teve coragem de seguir o espírito. Os filhos viriam comigo, mas podiam passar as férias com ele, onde quer que estivesse.” Finíssima Clarice!

Que Luciano Lanzillotti siga inventando e contando histórias. Não é descabido esperar por um volume 2 de homenagens como as desta coletânea.

Mário Baggio

Escritor